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A felicidade gratuita

Ele, distraído, caminhava sob o sol, observando os casais sentados na grama, sorridentes, aos beijos enamorados, sob a sombra das árvores. Tudo lhe passava às vistas com uma prazerosa admiração. Seus passos eram leves, de pés descalços, na grama fria e úmida. Sentia o frescor da brisa que tocava seu rosto, soprada suavemente em volta de seu corpo. Leve, agora, dois meses após sua separação. Tudo era leve...

Ela saída de casa, do outro lado da cidade, sob um céu nublado e ameaçador: chuva à vista. O cheiro molhado pairava no ar. As pessoas iam depressa de um lado para o outro. Os carros nos semáforos, impacientes, buzinavam ininterruptamente, como se assim o vermelho tornar-se-ia verde. Ela observava tudo com o canto dos olhos, não tinha tempo a perder. Estava a caminho de uma entrevista. Atrasar, nem em sonho. Sonhar? Só dormindo, e olhe lá!

Na noite anterior, ele encontrou um velho amigo, a quem não via há tempos. Saíram para uma cerveja. Duas, três, oito... Horas se foram entre goles, risos, cigarros e conversa. Foi uma noite determinante. O empurrão final para a superação total desde que deixou os sonhos para trás. A rotina e a intimidade do dia a dia não deram espaço à tolerância, ao carinho e à admiração. Resultado: após pouco menos de um ano, a separação. Mas naquela noite, reencontrou de vez aquilo lhe fazia sentir-se vivo e sereno, aquilo que havia esquecido. A gratuidade dos sorrisos.

Estava tensa, nervosa e ansiosa por todo o caminho, afinal, estava há quase um ano desempregada e sentia-se enferrujada. Durante a entrevista, o nervosismo deu lugar à mulher confiante que ela costumava ser. Impressionantemente articulada e desenvolta. Simplesmente, sua personalidade e força irradiava, como o sol que reluzia do outro lado da cidade. Intenso mas não agressivo. Estava belíssima. Seduzia com sua inteligência e seu sorriso brilhante. Magnética.
Foi contratada ali mesmo!

A chuva não veio. Ele aproveitava o dia de folga. Ela saída do prédio da empresa, orgulhosa e a passos largos. Mas agora, não tinha mais pressa. Não precisava ter. Resolveu descer a avenida principal e aproveitar o resto do dia. Até porque o dia seguinte seria um sábado. Ele começou a caminhar, eis que seu telefone celular tocou. Era ela, sua ex-esposa. Queria definir os detalhes do divórcio. Ele não queria discutir aquilo ali, àquela hora... Não era o dia certo pra isso.

A alguns metros dali, "ela" aparecia. Ele estava ficando tenso, até que conseguiu desligar o celular. Ela entrou na praça e passou por ele, cruzando seu caminho. Se entreolharam. A leveza voltou a ser a tônica pra ele. Hipnotizado e encantado, ele seguiu seu caminho. Ela, o dela.

Na manhã seguinte, ele voltou à praça, como se procurasse encontrá-la por "mero acaso". Ela não estava lá. Estava em casa, mas algo levava seu pensamento à praça. Ele passou o dia todo lá.
À noite, ele resolveu sair. Foi ao mesmo bar da outra noite e, eis que reencontrou o mesmo amigo. Mas ele não estava sozinho: ela estava lá, com seu amigo e outra mulher. Ao aproximarem-se, ela olhou em seus olhos, buscando o melhor enfoque, a fim de recordar-se de algo.

- Deixe-me apresentá-los - disse seu amigo.
- Creio que já o conheço - ela o interrompeu, com um ar de dúvida e nervosismo na voz, mas tão brilhante e bela quanto na entrevista.
Ele sorriu, leve. Ela devolveu o sorriso, assim, simples e de graça.

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