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Na morte do outro

Fora sentenciado à morte. Seu crime: detonara 4 dinamites no Palácio da Justiça, fugira e deixara mortos para trás o presidente da corte suprema, um delegado, um advogado e um empresário de terras estrangeiras. Além de alguns feridos.

Aguardava, ansioso, no corredor da morte. Ouvia as vozes da multidão do lado de fora do prédio clamarem por seu nome e a seguir o entoar de "morte ao assassino!". Sabia que não havia razões para resistir, não mais. Era culpado e nada poderia fazer para aliviarem sua sentença, muito menos fazer algo a fim de conseguir provar alguma fictícia inocência.

Tudo já havia sido providenciado. Um homem encapuzado afiava uma machadinha que cortaria a corda. A lâmina da guilhotina brilhava com os raios de sol às 10 horas da manhã de uma cidade costumeiramente fria e nebulosa. Com os braços amarrados às costas, o homem se levanta e tenta enxergar a movimentação lá fora, e eis que chega um jovem senhor, com quatro soldados o acompanhando, encarregado de levá-lo até o palco da guilhotina. No caminho, observa aqueles que o guiam e pensa: "Por sorte, morro ainda hoje". O encarregado lhe pergunta: "O que foi que disse?" e ele percebe que pensava em voz alta e sinaliza um não com a cabeça. Os cinco não compreendem bem o que ele quis dizer, mas entenderam o que foi dito.

Passando em meio à multidão, é recebido por com gritos furiosos e arremessos de pedras e frutas. Sobe ao palco, observa a todos de cima e pede que lhe seja concedido um único pedido, o de falar. Temerosos, mas seguindo as tradições do pensamento moderno de Voltaire, lhe permitem as últimas palavras. O homem estufa o peito e diz:

“Pensais que estou arrependido, pois não estou. Pensais que temo a morte, pois não a temo. Enquanto ouço vossos animalescos berros e recebo vossas ofensas e pedradas, apenas atinjo um estágio que, em vida, sempre me fora negado: o da genuinidade. Sois tão livres que daqui onde estou, mal posso diferenciar-vos em vossas vestes sujas, vossos dentes apodrecidos e vossas palavras mal pronunciadas. Não defender-me-ei, pois estou ciente de que não me restam mais do que minutos e seria vão resistir a isto. Porém, de uma coisa tenho certeza! Se sou, agora, um homem praticamente morto, o sou pois ousei viver e neguei-me como vós não o fazeis, de aceitar que estes aqui bem vestidos em seus trajes azuis e brancos, fossem meus senhores. Animais, eis o que sois. Eternos escravos e nada além. Obedeçam e gritem, apavorados, por minha morte!! É tudo que vos deixaram fazer..."

Antes que prosseguisse seu discurso, uma autoridade local ordenou que, imediatamente, o impedissem de falar mais uma palavra e o prendessem à guilhotina. Sem entender o porquê, o carrasco encapuzado mal conseguia segurar a machadinha e encarou aquele homem, ali, tão vulnerável após proferir suas últimas palavras. O carrasco, tal como o povo que estava extasiado, voltou a si, após uma “perda de consciência” e, arregalando os olhos, cortou a corda que prendia no alto a lâmina. Separada do corpo, já jogado no chão, a cabeça do homem caiu no cesto, e seu rosto voltou-se para cima, como quem olhava para o céu. Um semblante calmo, com um sorriso leve nos lábios era tudo o que se via. O carrasco olhava tudo e, de repente sem entender, sentia a necessidade de largar a machadinha.

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