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As portas

O elevador era antigo, com uma porta de ferro cor bronze e pesada. O teto possuía uma luminária dourada, mas a lâmpada era fraca e mal iluminava as laterais vermelhas e revestidas em madeira e o chão em um tapete vermelho sangue. Havia um espelho no lado oposto à porta, porém o espelho refletia a porta, e somente a porta, além das laterais do elevador. Não se enxergava no espelho. Encarava-o e, ao fundo, apenas via os botões do elevador refletidos, mas não conseguia lê-los. Um deles brilhava intensamente, até mais que a própria iluminação do teto. Tampouco este botão lhe era legível. Talvez fosse por conta da distância ou mesmo da iluminação forte. Não importa. O cheiro, o elevador tinha um cheiro marcante, intrigante. Era como cheiro de livros antigos e grama, misturados.
A porta se abriu.
Havia um corredor estreito e nas paredes três portas. No chão do corredor, havia grama e terra. Predominava o silêncio. A porta do elevador permaneceu aberta até que enfim resolveu sair. Ao pisar na grama, a porta se fechou e pôde-se ouvir o ruído do elevador afastando-se dali. A cada passo adiante, o corredor se estreitava mais e mais. A grama tornava-se mais escassa e a areia mais espessa.
Seis passos e chegou à primeira porta. Era uma porta grande, escura, de mogno. Segurou a maçaneta e somente pôde abri-la com muita força para empurrar tão pesada porta. Esticou-se por entre o batente e a porta para observar o que lá havia. Estava escuro, mas havia um interruptor ao lado de dentro. Fazia barulho, algo indecifrável, mas era muito barulho. Ensurdecedor. Sentiu medo. Resolveu ligar o interruptor. As luzes se acenderam, ofuscando sua visão que demorou a recobrar-se. Lá dentro não havia nada. “Por que havia de ser tão pesada a porta”, se perguntou. O barulho sessou, seu medo se foi.
Voltou-se para o corredor e reparou as outras duas portas. Fechou a primeira e voltou a caminhar. O chão se tornava mais áspero e começava a esquentar. Então, ao abrir a segunda porta, esta de vidro fosco porém pesada, encontrou uma sala cheia de velharias. Eram poltronas, cadeiras, livros, discos de vinil, estantes, vasos, mesas, roupas e demais tralhas. A sala era enorme, mas ao pisar lá dentro, sentiu-se claustrofóbico. Queria logo sair dali, precisava sair imediatamente. Segurou um disco na mão e neste estava escrito algo. As letras se embaralhavam, parecia não haver frase alguma ali, mas soube que estava escrito “Minha trilha sonora”. Colocou o disco no lugar e então pegou um livro. A capa do livro possuía o mesmo efeito enigmático: letras embaralhadas, palavras confusas. Mas sentia e, portanto, sabia que o nome do livro era “Minha autobiografia”. A confusão persistia e persistia sua claustrofobia. Deixou o livro sobre a estante e saiu. Fechou a porta e não mais olhou para trás – não por medo ou qualquer coisa. Apenas não precisou.
Ao fim do corredor, restava mais uma porta. No caminho, o chão era todo de cascalhos, que lhe queimavam a sola dos pés de tão quente estavam. O corredor se estreitava muito e mal conseguia passar por entre as paredes, agora ásperas, rústicas e sem acabamento algum. Não havia com quem compartilhar qualquer um dos eventos e, mesmo que houvesse, seria impossível. Ali já não cabia mais ninguém. Cada um de seus passos teria de ser dado um por vez, cada uma de suas angústias encarada por ele e mais ninguém. Cada decisão lhe pertencia. Estava sozinho e sem desculpas, dissera o filósofo. O que haveria após aquela terceira porta, e se essa era a última, já não mais podia saber. Era questão de arriscar para descobrir. Mas o risco era sua única opção. Ainda assim, era impossível prever qualquer coisa. Jamais abrira aquela porta antes e sabia, por experiência, que o que havia ali não poderia ser o mesmo que encontrou nas anteriores. Nenhum evento poderia ser comparado, tampouco determinado de antemão, pois cada um era vivido a seu tempo e espaço, a seu modo e circunstância. De medo, ansiedade e solidão, estava cercado.
Então, abriu a última porta. Uma porta simples, branca e mais leve que as outras.
À frente, um grande lago verde de um céu azul sem precedentes. Árvores de todas as formas e flores de todas as cores entornavam o lago, formando um contorno leve e vívido. Notava-se a presença de pássaros voando de uma árvore à outra. Beija-flores pairavam diante das mais belas flores em seu bater de asas único. A água verde transparecia serenidade e expunha os pequenos e diversos peixes que nadavam tranquilos ao fundo. Poucas e alvas nuvens completavam o céu, de um sol tranquilo e morno, todavia de brilho intenso. Sentiu um leve calor na pele, mas uma leve e reconfortante brisa bateu em seu rosto, e soube, então, que somente a ele caberia seu destino. Face ao horizonte, encontrou-se responsável por cada porta aberta. Era livre, portanto, e pela primeira vez o soube. Um forte clarão tomou-lhe a vista, ofuscando toda paisagem. Quando acordou para mais um dia.

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