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Sangue quente

 

Peça a peça, despia-se lentamente antes de deitar-se em seu leito. Ele assistia a cada movimento de olhos fixos, sem piscar uma vez sequer, enquanto aquele corpo exibia sua exuberância. Ela era linda, com um corpo tal proporcionalmente desenhado que poderia ter sido obra de artista. Era uma escultura, uma pintura, uma obra-prima. Ao fundo, ouvia-se o som de trompetes e um contrabaixo de um groove inigualável, que mesclados à bateria em um ritmo peculiar formavam um jazz único, na perfeita banda sonora para o que ocorria ali.
Sua pele suavemente escura, em tons de chocolate, lhe revirava a mente e tiravam-lhe o sono. Ela o olhava nos olhos ao tirar cada peça; abria sua camisa quadriculada, alvinegra, botão a botão. Não tirava o olhar dos olhos dele. Era uma fantasia enlouquecedora. Corações compassados, acelerados e sufocados na pequenez do peito. Sob a camisa, um sutiã branco de renda escondia seus seios e instigava a imaginação daquele homem, rendido à sensualidade dela. Ainda de calças, ela virou-se, ele observava, e ao passo que ela exibia suas curvas, ele admirava suas costas.
A calça era preta e, justa, definia suas formas de forma a ser mais atraente ainda a ideia de vê-la tirá-la lentamente. A música amplificava-se, o mundo diminuía, se esvaía de sentido, e deixava de existir para os dois. Ela encaixava seus dedos pequenos na cintura da calça e descia-a lentamente, ainda de costas para ele. A temperatura aumentava, o suor escorria por suas têmporas e ele apenas sabia que o tempo havia parado, sim, os relógios não “tic-taqueavam” mais e tudo pertencia a eles. Ela sabia como deixá-lo imóvel. A cada movimento que ele esboçava, ela lhe olhava como quem diz “não saia daí”. E ele “obedecia”. Era brilhante e deliciosamente torturante.
A luz, antes forte, agora baixa, deixava suas curvas ainda mais expressivas. Os traços de seu rosto diziam "te desejo". Ajoelhou-se na cama e foi engatinhando até ele. Entregou-se a seus braços e deixou que ele pudesse, enfim, trazê-la junto a si. Não havia mais refém, vítima ou torturado; ambos eram criminosos, e seu crime era o ato que transgredia as regras da boa-conduta, atingia o auge na excitação física e expressava-se nos pelos arrepiados nos braços.
Os dois criminosos se entreolhavam, se conheciam plenamente e, ainda assim, sabiam que algo ainda havia de ser descoberto. Criavam, portanto, uma união que não se reduz, mas se amplia em experiências e paixões. Ele a tocou e colou seu corpo ao dela. Beijava sua boca macia e de lábios grossos e bem desenhados.
Deslizou suas mãos nas costas de sua cúmplice. Escorreu a boca até suas orelhas, e destas até seu pescoço. Com uma das mãos, lhe desprendia o sutiã, e com a outra segurava sua cintura. Ele, desde o princípio, ainda de roupas, ela seminua. Apenas de calcinha, ela sentava em seu colo, arrancava-lhe à força sua camisa, desabotoava sua calça jeans e a puxava para baixo, arremessando-a para longe. Sussurrou, então, eu seu ouvido, nenhuma palavra exata, mas sua voz trêmula delatava sua excitação.
Unidos em seu pecado, amaram-se como nunca antes; intensamente, loucamente e incansavelmente. Eram apenas os dois, e tudo fazia sentido ali. O cheiro de prazer realizado, o sabor da carne quente e a sutil e irresistível sensação térmica da pele quente em meio a calafrios. Nada mais importava, e por que importaria?
Não havia espaço para mais nada. Pois onde o sangue é quente há vida e, ainda que absurda, a vida há de ser sempre o bastante, por si só.

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